“Foi um sonho” (a cantora Sandy, sobre sua lua de mel).

Tava guardando pra quê, querida? Francamente…

De todo modo, aproveita que inaugurou e vem navegar no mar da esbórnia. Saiba que nunca é tarde para se casar com a humanidade!

Tudo bem, Carandiru não é um filme que mereça um comentário sério. Mas como aqui não queremos nada com a seriedade, vamos arriscar certas considerações sobre este filme de Hector Babenco, um diretor que até produziu filmes acima da média, como Pixote ou O Beijo da Mulher Aranha. Mas não se engane leitor, queremos na verdade aproveitar o gancho e espinafrar o Ubiratan 111 – o coronel que comandou o massacre no presídio, e que após este grande feito conseguiu se eleger deputado, passando a integrar a não menos nobre “bancada da bala”.

O filme, com efeito, é tão mediano que nem aparece na biografia que consta no site oficial do diretor (http://www2.uol.com.br/hectorbabenco/diretor.htm). O caso é que se trata de mais um desses “Globo Filme”, isto é, uma novela de cerca de 1h30, com artistas consagrados da “telinha”, e que simbolizam o carro-chefe desta retomada do cinema nacional. Eis aqui o que se compreende por retomada: o lucro, o filme-investimento que, devido a apelação dentro do eixo sexo-violência, é capaz de atrair patrocinadores e ter uma grande bilheteria. É a lógica hollywoddiana…

Uma pena, já que um evento como este não deveria ter sido registrado dessa maneira. O massacre do Pavilhão 9 denuncia uma prática vigente no Estado de Exceção, que é a eliminação do mais fraco, a dispensa da sobra, o corte do excedente. Ubiratan e seus comandados da Polícia Militar representam o monopólio da violência por parte do Estado, o grupo de soldados armados e treinados, prontos para intervir e defender os interesses do Estado a qualquer momento. Supõe-se, equivocadamente, que os interesses do Estado sejam os mesmos do Povo, mas não é assim que funciona no Brasil. Aqui os interesses do Estado são o controle das massas, a proteção da propriedade e do patrimônio (dos que têm propriedade e patrimônio), e mantenção da “paz” a da Ordem. Em outras palavras: garantir através das armas que tudo permanecerá como está, isto é, que as elites continuarão no poder ocupando a posição de opressores.

Em uma singela nota explicativa da “Canção da PM” (http://www.polmil.sp.gov.br/inicial.asp) lê-se: “[a PM] incorpora à sua missão os valores da ética cristã: absoluto respeito à vida, à integridade física e à dignidade humana, caridade, fé, esperança, coragem para denunciar, enfrentar e resistir ao mal, sede de justiça e de verdade, amor à paz”. Não é lindo? Deviam ter colocado este trecho na abertura do filme. Fiquei tão atônito ao ler isto que não sei qual parte me choca mais. O texto na íntegra é uma pérola! Muito elucidativo sobre a história da corporação e o que ela representa. O fato é que neste país, cadeias sempre foram depósitos de pessoas. Lugar para tudo aquilo que não pode conviver socialmente, o marginal, que está do lado de fora e que perturba a Ordem dos humanos direitos. E a polícia treinada de acordo com esta lógica é muito competente, uma vez que até mesmo as delegacias estão abarrotadas de pessoas. Alguém já se perguntou porquê temos tantos “bandidos”?

Se eu não tivesse o que comer, fosse analfabeto e tivesse nascido numa favela, certamente seria um integrante das linhas de frente do tráfico. Penso ser este o motivo que leva muitos jovens a seguirem pela criminalidade. Pois, dentro do Estado de Exceção, eles são justamente o excedente; o Estado não é para eles. Devem engrossar as fileiras de um exército anterior ao do crime, que é o de mão-de-obra barata, o da massa de manobra ignorante e alienada, que elege sempre os mesmos canalhas – que, obviamente, são seus opressores. E, num jogo macabro de dupla exclusão, não podem sequer reclamar: a polícia está aí também para coibir qualquer tipo de ação libertária que possam vir a ter.

Nesse sentido, o Ubiratan foi supervalorizado. Como o peão do jogo de xadrez, tornou-se o sacrificado em prol da sobrevivência do rei. No caso, o sistema é o rei, e é anterior ao próprio Ubiratan. É o Estado que o criou, e tem a necessidade de continuar a criar milhares de coronéis, tenentes, soldados e outras patentes de assassinos profissionais treinados e armados. Numa visão hobbesiana, a polícia está representada como a espada do Leviatã, e é a única capaz de manter a todos em respeito através do terror inspirado. Ubiratan cumpriu seu papel com louvor: de uma só tacada despachou 111 presos, coisas que seus chefes adorariam ter tido meios para fazê-lo (devemos lembrar que o Governador do Estado era o Fleury).

De fato, o homem era um criminoso, um genocida. Mas culpá-lo sem fazer a crítica nos leva a retirar do banco dos réus seus chefes. O filme é ruim por não conseguir mostrar isso (como não li, não posso opinar sobre o livro do Dráuzio Varella): não mostra as relações de poder que estão por trás do Ubiratan 111 e do Carandiru. Fraco.